segunda-feira, 9 de novembro de 2015

A História dos Números Complexos
Por João Bosco Pitombeira de Carvalho

“O Espírito Divino expressou-se sublimemente nesta maravilha da análise, neste portento do mundo das ideais, este anfíbio entre o ser e o não ser, que chamamos de raiz imaginária da unidade negativa.” (Leibniz)

A história dos números complexos ilustra bem como um conceito matemático fundamental pode demorar muito até ser bem compreendido e aceito. É uma história longa de resistência, por parte de excelentes matemáticos, a admitirem a existência dos números complexos, mesmo quando os usavam.
Os números complexos começaram a aparecer sistematicamente em Matemática com os algebristas italianos do século XVI. Quando isso aconteceu, os matemáticos não tinham nem ainda esclarecido os conceitos de números negativos e irracionais. Assim, o desenvolvimento do conceito de número não foi algo progressivo, dando-se na ordem que nos aparece natural, e que é exposta nos textos: números naturais, inteiros, racionais, reais e por fim complexos. Até o século XIX, quando Gauss com sua autoridade divulgou a interpretação geométrica dos números complexos, a qual lhes deu “direito de cidadania”, ainda havia matemáticos que discutiam se os números negativos realmente existiam ou não!
Cardano (1501–1576), em seu livro Ars Magna (1545), o qual entre outras coisas dá o método para resolver a equação do terceiro grau, resolve o problema de dividir 10 em duas partes sujo produto é 40. Este problema reduz-se a resolver a equação de segundo grau $x^{2}-10x+40=0$. Resolvendo-a pelo método usual de completar o quadrado, obtemos $(x-5)^2-25+40=0$, donde $(x-5)^2=-15$, e daí obtemos, operando como se os números que aparecem fossem números reais, $(x-5)=\pm \sqrt{-15}$, ou seja $x=5\pm \sqrt{-15}$, que é a solução procurada. Como diz Cardano, “Deixando de lado toda a tortura mental envolvida, multiplica $\left ( 5+\sqrt{-15} \right )$ por $\left ( 5-\sqrt{-15} \right )$. O produto é $25-(15)=40$ (...). Assim progride a sutileza aritmética cujo objetivo, como afirmado, é tão refinado quanto inútil”.
De qualquer maneira, o encontro dos matemáticos com os números complexos era inevitável no estudo da equação do terceiro grau. No chamado “caso irredutível”, quando a equação possui 3 raízes reais, o emprego do método de Cardano acarreta obrigatoriamente o manejo de números complexos, embora as soluções da equação, que constituem o resultado final, sejam reais!
Bombelli (1526–1572), discípulo de Cardano, compreendeu melhor a álgebra dos números complexos. Ao retomar o estudo da equação do terceiro grau, ele introduziu sua quantidade “piu di meno”, que corresponde a $\sqrt{-1}$, e enunciou, sob forma de versos, as regras de operação com ela. Embora afirmasse que os números complexos eram inúteis e “sofísticos”, Bombelli operou livremente com eles. Em sua álgebra, deduziu que $\sqrt[3]{2+\sqrt{-121}}=2+\sqrt{-1}$.
Vemos assim que no século XVI os matemáticos começaram a usar os números complexos, aplicando-lhes as regras usuais de cálculo com números reais embora escandalizados e dando declarações veementes de que eles “não existiam”, eram “inúteis”, etc. A crença de que se poderia aplicar aos números complexos as mesmas regras do cálculo com números reais levou por vezes a enganos. Euler (1707–1783), já no século XVIII, afirmou, por exemplo, que $\sqrt{-2}\sqrt{-2}=\sqrt{4}=2$, por analogia com a regra $\sqrt{a}\sqrt{b}=\sqrt{ab}$, válida para os números reais. O princípio de aplicar a novos objetos algébricos as regras usuais do cálculo de números já conhecidos foi denominado, no século passado, o “princípio da permanência das formas” e foi utilizado frequentemente em álgebra, às vezes com resultados bons, às vezes maus.
O Teorema Fundamental da Álgebra diz que toda equação da forma $a_{k}x^{k}+\cdots +a_{1}x+a_{0}=0$, com $a_{0}$$a_{1}$,..., $a_{k}$ números complexos tem exatamente $k$ raízes complexas, se contarmos suas multiplicidades. A primeira formulação escrita deste teorema foi dada por Peter Rothe (?–1617), matemático de Nutemberg; em sua Arithmetica Philosophica, de 1600, ele afirma que uma equação tem no máximo tantas raízes quanto seu grau. Além de Rothe, um dos primeiros matemáticos a se ocuparem com este teorema foi Albert Girard (1595–1632), em cujo livro L’Invention Nouvelle en Algèbre, de 1629, lemos que uma equação algébrica completa de grau $n$ (isto é, que não há coeficientes nulos), possui $n$ raízes.
Uma mudança na atitude dos matemáticos em relação aos números complexos pode ser percebida nas palavras de Girard: “Pode-se perguntar: para que servem estas soluções impossíveis (raízes complexas). Eu respondo: para três coisas – para a validez das regras gerais, devido à sua utilidade e por não haver outras soluções”.
Um pouco mais tarde, René Descartes (1596–1650) em seu La Géométrie aceita que uma equação tem tantas raízes quanto seu grau, se admitirmos as raízes imaginárias. Descartes introduziu em seu livro a denominação números imaginários: “nem as raízes verdadeiras nem as falsas são sempre reais; por vezes elas são imaginárias”. Para ele, enquanto que as raízes negativas podem ser tornadas “reais” transformando a equação em outras cujas raízes são positivas, isso não pode ser feito com raízes complexas. Assim, essas raízes não são números. 
Em 1749, D’Alembert (Jean Le Rond D’Alembert, 1717–1783) apresenta a primeira tentativa de demonstração convincente deste teorema, que até hoje é conhecido como Teorema de D’Alembert. Em verdade, a demonstração de D’Alembert não mostra nem que existem raízes da equação. Ele demonstra qual a forma das raízes, se elas existirem. O mérito do trabalho de D’Alembert foi divulgar os números complexos, pois neles encontra-se uma exposição da teoria dos números complexos e das funções complexas.
Uma contribuição importante de D’Alembert, foi esclarecer que tipos de números complexos pode ser obtidos ao se resolver equações algébricas. Como consequência da percepção ainda imprecisa dos números complexos, matemáticos do século XVIII acreditavam que, resolvendo equações algébricas diferentes, e em particular extraindo raízes de números complexos, se obteriam diferentes tipos dessas quantidades. D’Alembert mostrou, em 1747, que qualquer expressão algébrica de um número complexo $a+b\sqrt{-1}$ é também um número da forma $a+b\sqrt{-1}$. Expressão algébrica, para D’Alembert, incluía elevar um número complexo a uma potência complexa. Sua demonstração só não é correta para o caso $(a+b\sqrt{-1})^{c+d\sqrt{-1}}$.
Com Euler, em 1749, as investigações sobre o Teorema Fundamental da Álgebra atingiram outro nível. Em seu Pesquisa sobre as Raízes Imaginárias de uma Equação ele mostrou, em primeiro lugar, que se $a+b\sqrt{-1}$ é a raiz de uma equação, então o mesmo acontece com $a-b\sqrt{-1}$. Ou seja, se uma equação tem uma raiz complexa, possui um fator da forma $x^2+kr+r$. Ele mostrou em seguida que toda equação de grau ímpar tem pelo menos uma raiz real, e que uma equação de grau par ou não possui raízes reais ou possui pares de tais raízes. Demonstrou em seguida que todas as raízes não-reais são da forma $a+b\sqrt{-1}$. Para isso, foi necessário estudar cuidadosamente as operações com números complexos, incluindo potências imaginárias, logaritmos de números complexos, funções trigonométricas de argumento complexo, etc.
A ambivalência dos matemáticos do século XVIII em relação aos números complexos pode ser mais uma vez evidenciada em Euler. Apesar de seus trabalhos em que ensinava a operar com eles, afirma: “Como todos os números concebíveis são maiores ou menores do que zero ou iguais a zero, fica então claro que as raízes quadradas de números negativos não podem ser incluídas entre os números possíveis [números reais]. E esta circunstância nos conduz ao conceito de tais números, os quais, por sua própria natureza, são impossíveis, e que são geralmente chamados de números imaginários, pois existem somente na imaginação”.
Os Bernoullis e Leibniz usaram os números complexos livremente, em integração, sem se preocuparem com sua conceituação ou existência. Essa utilização levou à discussão sobre a existência de logaritmos de números complexos. De fato, é bem conhecido que a substituição
$z=\dfrac{b(t-1)}{t+1}$
transforma
$\dfrac{adz}{b^2-z^2}$    em    $\dfrac{adt}{2bt}$,
que é a diferencial de . Analogamente, raciocinava Johann Bernoulli, a transformação
$z=\sqrt{-1}\dfrac{b(t-1)}{t+1}$
transformará
$\dfrac{dz}{b^2-z^2}$    em    $\dfrac{-dt}{2bt\sqrt{-1}}$,
que será portanto a diferencial do logaritmo de um número complexo. As discussões sobre a existência dos logaritmos dos números negativos e complexos foram vivas e frequentes, até que Euler apresentou uma justificativa convincente para a sua existência. Ele percebeu que se $z$ é um número complexo qualquer, $z=r(cos\theta + isen\theta)$, então $\ln z=\ln r+i(2k\pi + \theta)$, com $k=0$, $\pm1$, $\pm2$,...; ou seja, há infinitas determinações para o logaritmo de um número complexo. Com Euler, pode-se dizer que a álgebra dos números complexos atingiu sua forma atual.
            No fim do século XVIII, os matemáticos já se aventuravam a efetuar operações bem ousadas com números complexos. No entanto, uma indicação da posição ambígua mantida por eles em relação aos números complexos fica evidente pelo fato de que a grande Enciclopédia, organizada por D’Alembert e outros “filósofos” franceses, em seus artigos sobre Matemática, redigidos pelo próprio D’Alembert, mantém um silêncio prudente sobre estes números.
            Laplace (Pierre Simon de Laplace, 1749–1827), em 1795 atacou o problema de demonstrar o Teorema Fundamental da Álgebra, sem contudo conseguir uma prova aceitável. A primeira demonstração correta deve-se a Gauss (1777–1855), na qual utiliza propriedades topológicas da reta e do plano, que não tinham sido ainda explicitadas em sua época. A demonstração de Gauss encontra-se em sua tese de doutoramento, de 1799. Neste trabalho, Gauss, além de apresentar sua demonstração, estuda criticamente as demonstrações precedentes de D’Alembert (1746), Euler (1749), de Foncenet (1759) e Lagrange (1772), todas elas insatisfatórias. Ao longo dos anos, Gauss apresentou três novas demonstrações do Teorema Fundamental.
            É provável que a ideia de representar geometricamente os complexos tenha ocorrido a Gauss ao demonstrar o Teorema Fundamental da Álgebra, mesmo que ele não tenha utilizado isso na demonstração. Já Wallis (1616–1703) tinha procurado uma tal representação, tentando representar os números complexos no plano, mas seus esforços não foram bem sucedidos.
            A ideia de Wallis foi retomada independentemente por vários matemáticos, até Gauss. Um deles foi o norueguês Caspar Wessel (1745–1818), cujos trabalhos ficaram desconhecidos até 1897. Outros matemáticos que trabalharam sobre o problema foram os franceses Lazare Carnot (1753–1823), em seu livro Géometrie de Position, de 1803, e Adrian Quentin Buée (1748–1826). O italiano Jean Robert Argand (1768–1822) escreve o livro Ensaio sobre uma maneira de representar as quantidades imaginárias nas construções geométricas em 1806. No entanto, com exceção de Carnot, os outros eram muito pouco conhecidos, e foi necessário o prestígio de Gauss para tornar conhecida e aceita a representação geométrica dos números complexos. Ele publicou suas ideias em 1831, referindo-se “a verdadeira metafísica das quantidades imaginárias”.